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Os Tupi-Guarani

Enquanto as terras altas do sul do Brasil eram ocupadas pelos grupos Jê do Sul, uma tradição distinta emergiu para colonizar as florestas subtropicais quentes e de baixa altitude ao longo dos principais rios da bacia do Rio da Prata. Esses grupos são os Tupi-Guarani, e sua expansão de aproximadamente 5.000 km ao longo da costa Atlântica e pelos principais rios do interior nos últimos 2.000 anos representa um dos maiores processos de crescimento populacional nas terras baixas da América do Sul (Bonomo et al., 2015; Brochado, 1984; Noelli, 1998) (Figura 1).

Figura 1. Rotas de expansão de Tupinambás e dos Guarani através dos dados da Tradição Policroma da Amazônia. Fonte: Brochado, 1984

Os arqueólogos se referem aos vestígios materiais dos grupos Tupi-Guarani como a Tradição Tupiguarani (sem hífen). Essa tradição foi inicialmente definida por um conjunto de características coexistentes, incluindo policromia (vermelho e/ou preto sobre engobo branco e/ou vermelho), cerâmica corrugada e escovada, a prática de sepultamentos secundários em urnas, machados de pedra polida e o uso de adornos labiais (Brochado et al., 1969; Chmyz, 1976; Prous, 1992) (Figura 2).Em Caxias do Sul foram registrados 4 sítios arqueológicos Tupi-Guarani, todos eles de pequenas dimensões, nas localidades de Morro Cristal, Nova Palmira, Linha Sebastopol e Fazenda Souza (Corteletti 2008), além de terem sido registradas vasilhas Tupi-Guarani dentro de casas subterrâneas nas escavações do Sítio Vergani, localizado em Santa Lucia do Piaí (Schmitz, 1988).

Figura 2. Vasos Tupiguarani da coleção do Museu Arqueológico do Rio Grande do Sul (MARSUL), localizado em Taquara, RS. Foto de Stephen Shennan

Dados etnográficos e etnohistóricos indicam que os Tupi-Guarani habitavam grandes aldeias fortificadas, compostas por várias malocas de famílias extensas. Fontes coloniais e algumas plantas de sítios publicadas sugerem que essas malocas estavam dispostas em torno de uma praça aberta, que servia, entre outras funções, como área funerária (Noelli, 1993). As maiores confederações de aldeias foram registradas no período colonial, podendo ter chegado a 40 aldeias aliadas sob a influência de um líder político ou espiritual proeminente (Milheira e DeBlasis, 2014; Noelli, 1993). A guerra, motivada pela expansão das fronteiras ou vingança, bem como as subsequentes festas rituais antropofágicas, tinham um significado social relevante como meio de adquirir status (Milheira e DeBlasis, 2014). Festas antropofágicas foram descritas em várias fontes coloniais, e uma forte ideologia guerreira persistiu entre os povos Tupi-Guarani modernos (Fausto, 2012; Viveiros de Castro, 1992).

Desde a obra seminal de Brochado (1984), todos os autores concordam que o avanço dos Tupi-Guarani pelas terras baixas da América do Sul representa um processo de expansão, não propriamente de migração. Ou seja, novas aldeias-filhas surgiram a partir das antigas, mantendo interações e laços sociais de tal forma que os antigos territórios nunca foram abandonados. Esse processo resultou em uma expansão gradual das redes de aldeias por meio de ondas populacionais (Bonomo et al., 2015; Brochado, 1984; Milheira e DeBlasis, 2014; Noelli, 1993). As principais vias navegáveis serviram como corredores para a expansão Tupi-Guarani, e quase todos os seus sítios estão localizados ao longo dos rios. Seguindo esse argumento, Noelli (1993) propôs que o avanço inicial dos Tupi-Guarani se restringiu às principais várzeas florestadas dos rios. Após a consolidação de seus territórios e das áreas florestais manejadas associadas a esses ambientes preferenciais, os Tupi-Guarani passaram a colonizar afluentes menores com matas de galeria. Em geral, esse modelo foi recentemente confirmado pela última revisão de datações Tupi-Guarani na bacia do Rio da Prata por Bonomo et al. (2015) (Figura 3). Ribeiro (1991) também observou detalhes desse processo no vale do rio Pardo, Rio Grande do Sul, mostrando como os sítios mais antigos e maiores ocupam as várzeas férteis, enquanto os sítios mais recentes são menores e localizados em zonas de maior altitude, como é o caso dos sítios encontrados do Rio Caí e seus afluentes em Caxias do Sul.

Figura 3.Mapa da dispersão dos Guarani na bacia do Prata. Fonte: Bonomo et al., 2015.

Diversos estudiosos imaginaram o padrão típico de assentamento dos Tupi-Guarani como consistindo em círculos concêntricos que se irradiam a partir da aldeia (localizada próxima a uma fonte permanente de água) e se estendem até as hortas domésticas, as roças de coivara, a floresta e outras aldeias conectadas por estradas (Assis, 1995; Milheira e DeBlasis, 2014; Noelli, 1993). Noelli (1993) sugere que a área de influência de uma aldeia ou aglomerado de domicílios dispersos pode atingir um raio de 50 km. Conforme indicado por pesquisas paleobotânicas recentes, a floresta ao redor dos assentamentos Tupi-Guarani provavelmente era uma floresta secundária resultante de antigas roças manejadas em diferentes estágios de sucessão (Scheel-Ybert et al., 2014).

Os grupos Tupi-Guarani registrados historicamente eram horticultores tropicais que praticavam a policultura agroflorestal. Eles cortavam a floresta com machados de pedra e manejavam antigas roças (Brochado, 1984; Noelli, 1993). Quase todos os produtos cultivados eram de origem tropical, incluindo mandioca (Manihot esculenta), amendoim (Arachishypogaea), feijão (Phaseolus sp.), batata (Solanumtuberosum), cará (Dioscorea sp.), batata-doce (Ipomoea batatas), milho (Zea mays) e abóboras (Cucurbita spp.). O pólen de milho tem sido documentado em regiões próximas a sítios Tupi-Guarani desde aproximadamente 1810 AP (Behling et al., 2005, 2007). No Delta do Paraná, a análise de isótopos estáveis realizada por Loponte e Acosta (2007, 2013) demonstra que os esqueletos de contextos funerários Tupi-Guarani tinham um conteúdo médio de ?13C enriquecido em comparação com os esqueletos de sítios de caçadores-coletores da mesma região, confirmando o consumo de milho pelos Tupi-Guarani.

Este conteúdo integra o projeto Patrimônios, lendas e marcos de Caxias do Sul, financiado pela Lei Paulo Gustavo de Caxias do Sul.

Produção, organização e Curadoria: Marivania Sartoretto

Texto produzido por: Rafael Corteletti Mestre em História e Doutor e Arqueologia

Revisão Texto: Paula Valduga

Referências

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Behling, H.; Pillar, V. D. (2007). Late Quaternary vegetation, biodiversity and fire dynamics on the southern Brazilian highland and their implication for conservation and management of modern Araucaria Forest and grassland ecosystems. Philosophical Transactions of the Royal Society of London B: Biological Sciences 362, 243–251.https://doi.org/10.1098/rstb.2006.1984

Behling, H.; Pillar, V. D.;Bauermann, S.G. (2005). Late Quaternary grassland (Campos), gallery forest, fire and climate dynamics, studied by pollen, charcoal and multivariate analysis of the São Francisco de Assis core in western Rio Grande do Sul (southern Brazil).Review of Palaeobotany and Palynology, 133, 235-248.https://doi.org/10.1016/j.revpalbo.2004.10.004

Bonomo, Mariano; Angrizani, R.C.; Apolinaire, E.; Noelli, F.S. (2015). A model for the Guaraní expansion in the La Plata Basin and littoral zone of southern Brazil. Quaternary International 356, 54-73. Disponível em https://www.researchgate.net/publication/269519360_A_model_for_the_Guarani_expansion_in_the_La_Plata_Basin_and_littoral_zone_of_southern_Brazil

Brochado, José J.J.P. (1984). An ecological model of the spread of pottery and agriculture into eastern South America. Tese de Doutorado. University of Illinois, Urbana-Champaign. Tradução para o português disponível em: https://www.sabnet.org/conteudo/view?ID_CONTEUDO=812

Brochado, José J.J.P.; Calderón, V.; Chmyz, I.; Evans, C.; Maranca, S.; Meggers, B.J., Miller, E.T., Nasser, N.A.d.S., Perota, C., Piazza, W.F., Rauth, J.W., Simões, M.F. (1969). Arqueologia Brasileira em 1968. Publicações Avulsas do Museu Paraense Emilio Goeldi 12. Disponível em: https://repositorio.museu-goeldi.br/handle/mgoeldi/480

Chmyz, I. (1976). Terminologia arqueológica brasileira para a cerâmica. Cadernos de Arqueologia 1, 119-147. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/301542153_TERMINOLOGIA_ARQUEOLOGICA_BRASILEIRA_PARA_A_CERAMICA

Corteletti, Rafael. (2008). Patrimônio Arqueológico de Caxias do Sul. Ed. Nova Prova, Porto Alegre, 200p. Disponível em http://dx.doi.org/10.13140/RG.2.1.4097.5129

Fausto, C. (2012). Warfare and shamanism in Amazonia. Cambridge University Press, Cambridge.https://doi.org/10.1017/CBO9781139096669

Loponte, D., Acosta, A. (2007). Horticultores amazónicos en el humedal del Paraná Inferior: Los primeros datos isotópicos de la dieta, in: Bayón, C., Pupio, A., González, M.I., Flegenheimer, N., Frére, M. (Eds.), Arqueología de las Pampas. Sociedad Argentina de Antropología, Buenos Aires, pp. 75-93.

Loponte, D., Acosta, A. (2013). La construcción de la unidad arqueológica Guarani en el extremo meridional de su distribución geográfica. Cuadernos del Instituto Nacional de Antropología y Pensamiento Latinoamericano 1, 193-235.Disponível em: https://ri.conicet.gov.ar/bitstream/handle/11336/28914/CONICET_Digital_Nro.377f27ef-13a5-4945-9e9d-636cbaf2eb38_A.pdf?sequence=2

Milheira, R.G., DeBlasis, P. (2014). Tupi-Guarani Archaeology in Brazil. Encyclopedia of Global Archaeology. Springer, pp. 7384-7389. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/291603414_Tupi-Guarani_Archaeology_in_Brazil

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Noelli, F.S. (1998). The Tupi: explaining origin and expansions in terms of archaeology and of historical linguistics. Antiquity 72, 648-663.Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/285762275_The_Tupi_Explaining_origin_and_expansions_in_terms_of_archaeology_and_of_historical_linguistics

Prous, A. (1992). Arqueologia Brasileira. Brasília, Editora da UNB. Disponível em: http://www.etnolinguistica.org/biblio:prous-1992-arqueologia

Ribeiro, P.A.M. (1991). Arqueologia do Vale do Rio Pardo, Rio Grande do Sul, Brasil. PUCRS, Porto Alegre.

Scheel-Ybert, R., Beauclair, M., Buarque, A.(2014). The forest people: landscape and firewood use in the Araruama region, southeastern Brazil, during the late Holocene. Veg Hist Archaeobot 23, 97-111.Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s00334-013-0397-z

Schmitz, P.I. (1988). As Tradições Ceramistas do Planalto Sul-Brasileiro. Arqueologia do Rio Grande do Sul, Brasil, Documentos 2:75-130, IAP – UNISINOS. Disponível em: https://www.anchietano.unisinos.br/publicacoes/documentos/documentos02.pdf

Viveiros de Castro, E. (1992). From the Enemy's Point of View: humanity and divinity in an Amazonian society. University of Chicago Press, Chicago.Disponível em: https://acervo.socioambiental.org/acervo/livros/enemys-point-view-humanity-and-divinity-amazonian-society