O preparo do pinhão pelos povos Jê
Segundo relatos etnográficos os Jê preparavam o pinhão de várias formas. Por exemplo, segundo relato de Ambrosetti (1895: 326, 327):
“Conlospiñoneshacen una especie de pasta, que obtienenponiéndolos en elaguaunciertotiempo para que hinchen y rompansuenvoltorio, luegoloscolocan en elmortero, en donde lospisan; esta pasta lahacenhervir y luegolacomen. Los Indiosdicen que sonmuybuenos, preparados así, y que tienenlaventaja, sobre lospiñonescrudos y asados directamente, de no hacerdaño; pero losblancos que hanprobado este plato me aseguran que es muydesagradable, conun gosto ácido muy pronunciado”.
A partir do relato mais detalhado, encontrado em Paula (1924: 121), temos outras duas maneiras de preparo:
“Os pinhões são simplesmente tostados ao fogo e triturados depois em pilões, reduzidos assim a uma verdadeira massa, com a qual preparam um caldo cozido com agua. Fazem tambem da mesma massa pequenos bolos, de forma redonda e chata, do tamanho de um pires, que são depois assados sobre brazas. Não podendo conservar os pinhões por muito tempo frescos, pois que bicham mui facilmente, usam o seguinte processo: enchem com pinhões cestos apropriados e previamente forrados com folhas de cacto, perfeitamentc tampados. Estes cestos são immersos nas aguas de pequenos corregos em logares para isto escolhidos. Ahi permanecem estes cestos durante um mez e meio e tornam-se os pinhões perfeitamente cortidos, conservando suas qualidadcsalimenticias por um longo espaço de tempo. Como é evidente, o pinhão, depois de retirado d'agua, nada tem de appetitoso, exhalandofortissimo cheiro bem desagradavel, tendo um gosto repugnante, não sendo tolerado pelos nossos estomagos. Aos indios, porém, em nada incommodam estas qualidades adquiridas com este processo, e, mesmo assim, muito apreciam. Principalmente deste pinhaocortido é que fazem suas sopas e bolos, como acima foi explicado”.
Tais relatos tem em comum o processo de imergir o pinhão para fazê-lo inchar e ficar levemente apodrecido, para só depois disso então ser moído e transformado em farinha para o preparo de sopas ou bolos.
Além deste tipo de preparo, escavações arqueológicas como as realizadas em Santa Lúcia do Piaí, no Sítio Vergani(Schmitz et al., 1988) e em Urubici, SC, no sítio Bonin (Corteletti et al., 2024) recuperaramcascas de pinhões carbonizadas, indicando que a prática da sapecada de pinhão, muito comum nas serrasgaúcha e catarinense, seja uma tradição indígena bastante antiga (Figura 1).
Figura 1.A esquerda, casca de pinhão carbonizada, recuperada nas escavações arqueológicas do Sítio Bonin, Urubici, SC, com datação de cerca de 330 anos atrás (Corteletti et al., 2024). A direita pinha sapecada. Fotos de Rafael Corteletti.
Este conteúdo integra o projeto Patrimônios, lendas e marcos de Caxias do Sul, financiado pela Lei Paulo Gustavo de Caxias do Sul.
Produção, organização e Curadoria: Marivania Sartoretto
Texto produzido por: Rafael Corteletti Mestre em História em Doutor em Arqueologia
Revisão Texto: Paula Valduga
Referências
Ambrosetti, Juan B. (1895). Los indiosKaingángues de San Pedro (Misiones), conunvocabulario. Buenos Aires: Revista del Jardin Zoológico de Buenos Aires, tomo II, ent. 10, p. 305-387. Disponível em http://www.etnolinguistica.org/biblio:ambrosetti-1895-kaingangues
Corteletti, Rafael; Labrador, Bruno; DeBlasis, Paulo. (2024).Uma arqueologia das paisagens sociais Jê. In Corteletti, Rafael (org) Paisagens Jê: uma arqueologia sobre povos indígenas do Sul do Brasil. Ed.Habitus, Florianópolis, p11-34. Disponível em http://www.etnolinguistica.org/biblio:corteletti-2024-paisagensPAULA, JoséM.(1924). Memoria sobre os botoc
odos do Paraná e Santa Catharina organisada pelo serviço de protecção aos selvicolas sob a inspeccao do Dr. José Maria de Paula. Annaes do XX Congresso Internacional de Americanistas, Rio de Janeiro, 1922. Volume 1, 119-137. Disponível em http://www.etnolinguistica.org/biblio:paula-1924-botocudos
Schmitz, Pedro I.; Becker, Ítala I.B.; La Salvia, Fernando; Lazzarotto, Danilo; Ribeiro, Pedro A.M.(1988). Pesquisas sobre a tradição Taquara no nordeste do Rio Grande do Sul. Documentos 2, 5-74. Disponível em https://www.anchietano.unisinos.br/publicacoes/documentos/documentos02.pdf