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O Povos Jê e o Manejo agroflorestal

Figura 1. Paisagem de Santa Lucia do Piaí, no sítio Vergani (RS127/37 CXS), com mosaico de campos naturais e floresta de araucária. Foto de Rafael Corteletti, 2006.

De forma significativa, a aparição da “arquitetura monumental” coincide com a expansão da floresta deAraucaria angustifolia(pinheiro-do-Paraná), conforme evidenciado por registros de pólen nas terras altas do sul do Brasil (Iriarte & Behling, 2007; Gessert et al., 2011). A análise de pólen proporciona a percepção sobre mudanças gerais na paisagemambiental. Por exemplo, tanto nas áreas de Pinhal da Serra, no Rio Grande do Sul, quanto emCampo Belo do Sul, em Santa Catarina, a biodiversidade aumenta após a instalação das aldeias de casas subterrâneas na região. Embora já existisse uma biodiversidade considerável, ela acelera e amplia com a presença humana (Cárdenas et al., 2017), eé possível dizer que esse fenômeno se repetiu na região de Caxias do Sul e em outras partes do planalto das araucárias.Além disso, atualmente a dispersão da erva-mate está sendo investigada atualmente. A impressão é que ela foi introduzida intencionalmente nas áreas de mata de araucária. Não sabemos se foi pelos povos Jê ou pelos Guarani, ou se resultou da interação entre esses dois grupos. No entanto, o registro de erva-mate só aparece após a presença humana ser atestada pelos sítios arqueológicos. Importante também dizer que quase simultaneamente à erva-mate, surgem registros de pólen de abóbora e milho, plantas originárias de áreas mais ao norte. O milho vem da América Central e a abóbora da Amazônia.Assim, as práticas humanas de manejo agroflorestal resultam numa biodiversidade maior como um todo.Além disso, análises isotópicas do solo indicaram que, após a instalação dos sítios arqueológicos e a presença humana, a vegetação de campo foi gradualmente substituída por uma vegetação florestal, incluindo diversas espécies de árvores, não apenas a araucária (Robinson et al., 2018). O estudo isotópico mostrou que a floresta crescia muito além do que os botânicos inferiam, especialmente em áreas onde naturalmente não deveria ocorrer. Essas áreas coincidem com locais onde há sítios arqueológicos.

Por volta do ano 1000, a floresta expandiu rapidamente devido ao aumento de temperatura e umidade. No entanto, em áreas com sítios arqueológicos, a floresta cresce em locais onde naturalmente não deveria, como nas vertentes norte e oeste e nos topos de morro, onde há mais insolação e menos umidade. Os botânicos esperariam que a floresta crescesse nas vertentes sul e leste, onde a insolação é menor e a umidade é maior (Mattos, 1972). Curiosamente, há morros com floresta em todos os lados, e esses morros abrigam sítios arqueológicos. Isso sugere um manejo intenso dessas áreas (Figura 2).

Figura 2. Modelo representativo da distribuição da floresta em condições não perturbadas (esquerda) em que a floresta é naturalmente restrita a encostas voltadas para o sul e em áreas de atividade arqueológica (direita) em que a floresta se expandiu pela paisagem. Fonte: Robinson et al, 2018.

Figura 3.Vestígios microbotânicosencontrados em fragmentos de vasilhas cerâmicas recuperadas nas escavações de casas subterrâneas em Urubici, Santa Catarina, com datação de cerca de 700 anos atrás. Elaborado por Rafael Corteletti.

Pensando o uso das plantas como um todo, as cozinhas de casas subterrâneas localizadas em Urubici, SC foram alvo de pesquisas arqueobotânicas. Em uma pesquisa inicial realizada em 2011 e 2012, foram feitas análises microbotânicas de fitólitos e grãos de amido, em potes de cerâmica recuperados das escavações. Nessas vasilhas, com cerca de 700 anos de idade, foram encontrados vestígios de plantas como mandioca (Manihot esculenta), abóbora (Cucurbita sp., embora a espécie não tenha sido definida, é uma variedade amazônica) e milho (Zea mays), cará (Dioscorea sp.) e feijão (Phaseolus sp.) (Corteletti, 2012) (Figura 3). As pesquisas continuam buscando outras plantas, como amendoim e batata-doce, mas muitas vezes não há sucesso em encontrar tais vestígios devido a questões de preservação. Somado a isso também foram recuperados macrovestígios botânicos oriundos destas escavações, como o pinhão carbonizado e a casca de pinhão carbonizado. Também foram recuperados diversos grãos de milho por meio da flotação dos sedimentos das escavações. Esses grãos de milho têm um formato específico que não corresponde necessariamente às variedades de milho Kaingang conhecidas. Na verdade, eles se assemelham mais ao milho Guarani (conforme Briegeret al.,1958), o que pode ser uma evidência adicional do contato pacífico entre esses povos e suas trocas culturais. É interessante notar que esses grãos de milho têm cerca de 300 anos de idade. Considerando que há mais de 200 anos vivemos em um contexto de Guerra de Conquista, é natural que a interação entre esses grupos tenha sido intensa em termos de sobrevivência.

 

Este conteúdo integra o projeto Patrimônios, lendas e marcos de Caxias do Sul, financiado pela Lei Paulo Gustavo de Caxias do Sul.

Produção, organização e Curadoria: Marivania Sartoretto

Texto produzido por: Rafael Corteletti Mestre em História e Doutor e Arqueologia

Revisão Texto: Paula Valduga

Referências

Cárdenas, macarena L.; Mayle, Francis E.; Iriarte, José; DeSouza, Jonas Gregório; Ulguim, Priscila; Robinson, Mark; Corteletti, Rafael; DeBlasis, Paulo.(2017).Past vegetation changes in the context of land use and late Holocene expansion of the Jê pre-columbian culture in Southern Brazil.PAGES-OSM. Abstract book, p 27. Zaragoza. Espanha.

Iriarte, J., Behling, H. (2007). The expansion of Araucaria Forest in the southern Brazilian highlands during the last 4000 years and its implications of the Taquara/Itararé Tradition. Environmental Archaeology, 12 (2):115-127.

Gessert, S.; Iriarte, J.; Ríos, R.C.; Behling, H. (2011). Late Holocene vegetation and environmental dynamics of the Araucaria Forest region in Misiones Province, NE Argentina. Review of Palaeobotany and Palynology 166, 29–37.

Robinson, M., DeSouza, J.G., Maezumi, Y.S., Cárdenas, M., Pessenda, L., Prufer, K., Corteletti, R., Farias, D.S.E., Mayle, F.E., DeBlasis, P., Iriarte, J. (2018). Uncoupling human and climate drivers of late Holocene vegetation change in southern Brazil. Scientific Reports. 8, 7800. Disponível em https://www.nature.com/articles/s41598-018-24429-5

Mattos, J. R. (1972). O pinheiro brasileiro. São Paulo 618p.

Corteletti, R. (2012). Projeto Arqueológico Alto Canoas- PARACA: Um estudo da Presença Jê no Planalto Catarinense. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo. 323p. Disponível em https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/71/71131/tde-19042013-093054/pt-br.php

Brieger, F.G., Gurgel, J.T.A., Paterniani, E., Blumenschein, A., Alleoni, M.R. (1958). Races of maize in Brazil and other Eastern South American Countries. Nat. Acad. of Sci. - National Research Council. Washington D.C.