3ª Légua e Roteiro Estrada do Imigrante
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As lindas vistas e o verde presente tanto nas árvores quanto nos parreirais são marcas da 3ª Légua, esse lugar que, por um período, foi um dos principais trechos da longa travessia entre o centro de Caxias do Sul, Nova Palmira e a capital gaúcha. Essa localidade no interior viveu diversos ciclos durante o seu desenvolvimento.
A exemplo de outros endereços do interior do município, teve os índios como os seus principais habitantes. Um estudioso do legado dos sítios arqueológicos, Rafael Corteletti informa que os primeiros habitantes dessas terras foram os Kaingangues. "O Kaingang ocupava um meio-termo entre o caçador-coletor generalizado e o agricultor semi-sedentário da mata”, escreve Corteletti. Foram esses povos que se estabeleceram por aqui e começaram a escrever a história do município.
Com a chegada dos portugueses, porém, assim como aconteceu em diversos lugares do Brasil, os índios foram perdendo espaço também na região da 3ª Légua. Conforme registrado nas obras citadas como fontes, a primeira picada que se tem notícia situada nos fundos de Nova Palmira foi aberta por Antônio Machado de Souza ele teve a ideia, em 1864, de abrir uma estrada entre Montenegro e os Campos de Cima da Serra. “Em 1871, Luiz Antônio Feijó Junior, recolheu amostras de terra e fibras naturais, para serem examinadas nos Laboratórios da Corte e verem do que era eram capazes de produzir”, informa o texto. Essa medida, conforme a obra, era necessária antes de começar a colonização.
Ainda em meados de 1870, começou a crescer a importância da localidade onde hoje fica a 3ª Légua, porque era por ali que passaria a estrada que ligaria o centro de Caxias do Sul, então denominado Campo dos Bugres, até Nova Palmira, um lugarejo à beira do Rio Caí e, portanto, estava no acesso aos vapores que faziam o trajeto até Porto Alegre pelo rio. O contrato foi assinado em 8 de março de 1876, e a estrada foi fundamental para o crescimento daquele pedaço de terra que hoje chamamos de 3ª Légua.
Curvas e subidas superiores. a 20% dificultavam a utilização da estrada pelos carreteiros. Fonte: O Rio Grande do Sul, AGERGS.
Foi por esse trajeto que passaram os imigrantes europeus que povoaram Caxias do Sul. Entre Nova Palmira e a 3ª Légua, existia um caminho aberto como uma picada e, como a subida era muito íngreme, tornava-se muito difícil chegar ao topo com as carroças daquele tempo. Na descida, também havia problemas, porque mesmo acionando os breques, era difícil para as mulas pararem. “A declividade era de 20%, quando se estabelecia o máximo de 10%. Quando havia encontro de carretas, uma subindo e outra descendo, muitos eram os problemas”, registram os autores.
A informação que se tem é que o primeiro grupo de imigrantes chegou ao topo em 30 de dezembro de 1876. Por lá, eles ficavam em barracões até que recebessem os seus lotes. Naquele mesmo ano, provavelmente tenha sido construído o primeiro barracão da 3ª Légua, que serviu também a muitos que vieram depois. Ele ficava localizado onde hoje está a praça do salão da comunidade de São Luiz. A partir do movimento de imigrantes chegando e de carroças subindo e descendo, naturalmente se criou um comércio na 3ª Légua, que ficava no caminho entre Nova Palmira e o Campo dos Bugres (centro de Caxias). Esse foi um período próspero para a localidade, que viu o seu desenvolvimento ser impulsionado pela então Estrada Rio Branco.
Construção da Estrada Rio Branco. Foto Arquivo Histórico de São Sebastião do Cai.
Naquela época, as estradas eram construídas por quem vivia por ali mesmo. Engenheiros e agrimensores definiam o traçado e os moradores usavam ferramentas rudimentares como machados e foices para cortar a mata. Inicialmente, era permitido que apenas trabalhadores “nacionais" atuassem, mas por aqui, os imigrantes também participaram, com uma autorização especial prevista no art. 32 da regulamento da Inspetoria de Terras e Colonização, de 19 de janeiro de 1867. Os imigrantes, porém, só podiam trabalhar 15 dias por mês na construção da estrada, e usavam essa possibilidade como um meio de ter renda.
Por ela, entre 1877 e 1890, os imigrantes passavam a pé, e o transporte de cargas era feito por tropas de mulas, os chamados cargueiros. Poucas carretas de terno maior circulavam por ali. Elas apareceram em maior número, e muitos carreiteiros se concentravam na região da 3ª Légua, apenas após 1890, quando eram puxadas por sete mulas e tinham capacidade para transportar até 1.500 quilos por vez. A inclinação era uma dificuldade e, também por causa dela, em 1903, começou a surgir um movimento. O então Intendente de Caxias, Alfredo Soares de Abreu, pediu ao Conselho Municipal de Caxias que a Estrada Rio Branco fosse desviada no chamado “morro Caxias”. A intenção era que o trajeto fosse feito por Galópolis, onde um “povoado prosperava”. Foi a partir desse movimento que, entre 1938 e 1941, foi construída a Estrada Federal Getúlio Vargas, a BR-116, que, até hoje, é o principal caminho para subir de Nova Palmira, que fica no atual distrito de Vila Cristina, ao centro de Caxias do Sul.
A Estrada Rio Branco foi desviada, mas aquele caminho nunca foi destruído. O movimento reduziu, o comércio que ali existia foi impactado pela falta de movimento, mas a estrada estava lá. Para que ela ganhasse um novo impulso, já como legado da imigração, em 1993, na gestão do então prefeito de Caxias do Sul Mário Vanin, o seu nome foi alterado para Estrada Municipal do Imigrante. Essa nomenclatura se aplica ao trecho que fica entre o prolongamento da Rua Júlio Calegari e a ERS-452, o que corresponde à 1ª secção da construção original.
Apresentação teatro El Maschio e Festa das Colheitas
Cinco anos depois, em 1998, um outro movimento importante aconteceu, impulsionando mais uma vez o desenvolvimento da 3ª Légua. Naquele ano, foi ativado o roteiro turístico Estrada do Imigrante, com o objetivo de preservar esse legado e mostrar aos visitantes de Caxias do Sul atrativos que vão desde vinícolas familiares até a réplica da cruz missioneira e uma gruta encravada na rocha. Grupos de teatro, Festa das Colheitas e outras ações culturais complementavam o lançamento do roteiro.
Entre os muitos atrativos, vale destacar a religiosidade. A Gruta Nossa Senhora de Lourdes foi descoberta por moradores da 3ª Légua enquanto caçavam e, em 1949, uma missa de Dom José Barea marcou a inauguração da capela Nossa Senhora de Lourdes. A gruta fica encravada em uma rocha e o acesso é por uma escada de 150 degraus em meio à natureza.
A religião está presente também no Sítio Santa Tereza, que possui uma réplica da Cruz Missioneira. A existência de um seminário é mais um exemplo da presença forte da fé na região da 3ª Légua. As Irmãs Pastorinhas, presentes há mais de 70 anos na 3ª Légua, inauguraram um Apart Hotel em 2021, bem no centro da localidade, que possui ainda uma Cruz Missioneira considerada uma cópia idêntica à original.
Outra força da região é a uva, o fruto símbolo de Caxias do Sul. Vinícolas familiares possibilitam que os visitantes conversem com os proprietários e desfrutem da hospitalidade próxima que só existe nos pequenos negócios. As parreiras produzem tanto a uva vinífera, que se transforma em bons vinhos, quanto a uva de mesa, que entrega aquele sabor doce tradicional nos verões de Caxias do Sul. Essa vocação para a agricultura é reforçada pela Escola Família Agrícola da Serra Gaúcha (Efasserra), uma instituição de ensino que tem tido um papel importante na manutenção dos jovens no campo. Um dos primeiros orquidários também fica ali e atrai moradores e visitantes.
Apart-hotel Casa Jesus Bom Pastor e EFASERRA - Escola da Família Agricola - atrai pessoas diariamente para a região da 3ª Légua.
Como tudo na vida tem dois lados, a dificuldade de subir a Estrada Rio Branco, hoje Estrada do Imigrante, com parte pavimentada e parte com estrada de chão, oferece à 3ª Légua o benefício de ter vistas deslumbrantes. Por estar no alto do morro, oferece vistas de paisagens pintadas pelos parreirais e por muita natureza, garantindo aos visitantes e ciclistas que eles voltarão para casa com lindas fotografias.
Fontes:
Estrada Rio Branco - O Caminho da Emancipação, de Luiz E. Brambatti. Quatrilho Editorial; 2015
Roteiros de Turismo e Patrimônio Histórico, organizado por Luiz E. Brambatti. EST Edições; 2002
São Luiz da 3ª Légua, de Marli Tisatto Trentin e Roberto Hunnof. Fesuppo Ed.; 2011
História nas Mãos - Trajetória do Seminário da 3ª Légua, de Marli Tisatto Trentin. Fesuppo Editora; 2014
Patrimônio arqueológico de Caxias do Sul / Rafael Corteletti. – Porto Alegre: Nova Prova, 2008.