Suzana Webber Alves: o amor pela literatura a tornou escritora
Um problema cardíaco que começou aos cinco anos de idade contribuiu para que Suzana Webber Alves se tornasse uma apaixonada por livros. Por não poder pular e brincar como as demais crianças, ela ficava mais quietinha, em um canto, e os seus parceiros eram os livros. Foi lá na infância dela o plantio de uma semente que floresceria para torná-la uma escritora.
Porém, nada disso foi rápido. Suzana conta que, na década de 1960, quando ela era criança, o acesso aos livros era bem mais limitado. As bibliotecas eram o melhor lugar, mas, ainda assim, em Caxias do Sul, não havia uma imensa variedade de opções. “Eu ouvia as professoras contando histórias na sala de aula e o meu imaginário voava, eu ficava embasbacada. Quando aprendi a tirar livro na biblioteca, passei a ler tudo que chegava às minhas mãos”, lembra.
A primeira memória da escrita foi por volta dos 10 anos, quando ela começou a preencher um diário. A partir dali, nunca mais parou. Com 12, já tinha histórias inventadas e, nos anos seguintes, escreveu muita redação para os colegas. “Eles não gostavam da disciplina e eu ajudava, escrevia, eles passavam a limpo e entregavam para a professora”, conta, divertindo-se. Houve também um outro texto que a marcou. Uma amiga estava apaixonada por um menino. Suzana escreveu uma carta de amor. Hoje, ela mesma se surpreende com o que percebia naquela época. “Uma das frases era assim: ‘sou mulher e tenho orgulho’. Não lembro por que eu escrevi, mas hoje se fala em empoderamento e eu já enxergava lá atrás”, relata.
Foram textos para várias pessoas até o momento de prestar vestibular. Suzana queria ser professora de Educação Física, mas na época era preciso passar por um exame físico, e o problema cardíaco a impedia. Escolheu, então, Letras - Português e Inglês e se realizou na sala de aula. “Eu me dei muito bem nas Letras, sempre fui muito feliz e nunca parei de escrever. Na última cadeira da faculdade, estávamos trabalhando narrativa. Eu escrevi um texto chamado Fortaleza, que narrava a colonização italiana. A professora achou tão bom, que usou na dissertação de mestrado dela”, relembra.
Tudo isso, é claro, foi criando um caminho natural para que ela se tornasse escritora. Começou participando de concursos com textos avulsos e era seguidamente premiada. “Nessa época, eu ainda não acreditava muito em mim, demorei para realmente entender que eu poderia ser escritora. Acabei saindo do Brasil e fiquei três anos fora. Morei na Inglaterra e em Israel, fui ver o mundo”. Na volta, já com 32 anos, o problema no coração a levou para a primeira cirurgia. "Eu me vi humana, finita, dolorida e transformei tudo isso em texto. Não é necessariamente um texto autobiográfico, mas tudo que um escritor produz tem um pouco esse viés, porque ou ele viveu aquilo na prática, ou viveu no mundo das ideias”, explica.
Os escritos ficaram guardados, Suzana casou, teve uma filha quando estava com 39 anos e, aos 40 e poucos, veio outra notícia relacionada à saúde. “Eu percebi que não enxergava mais direito. Eu era professora, corrigia os trabalhos dos alunos e eles começaram a me dizer: ‘profe, tu não corrigiu essa frase? tu não viu essa?”’. Eu não admitia que estava deixando de fazer correções e fui investigar. Eu estava realmente perdendo a visão”. Foi um baque e, até entrar no Instituto da Audiovisão (Inav) de Caxias do Sul, Suzana só pensava em se fechar para o mundo. Já havia feito mais uma cirurgia no coração e a saúde era sempre uma preocupação constante. “Meu olho foi ficando pior, mas eu reagi, passei a fazer exercício e caminhar. Até hoje, eu caminho muito, mesmo que seja dentro do meu pátio”, diz.
2012 ficou marcado como o último ano em que ela “leu com os seus olhos”, como define. Desde lá, o celular e o computador leem para ela. A tecnologia transforma em áudio o que está escrito e a ajuda, também a escrever. “Primeiro eu neguei, não queria aprender a usar o celular, mas acabaram me convencendo. Hoje, eu ouço todos os livros possíveis, em português e em inglês. Aprendi computação para cegos e coloquei em prática uma ideia que surgiu ainda em 2010: escrever o meu primeiro livro”. O nome nasceu de uma palavra que ela disse para a filha, então com 10 anos de idade, antes de ir a Porto Alegre para a segunda cirurgia cardíaca: Skroktifuf. “Eu não sei de onde saiu essa palavra. Eu estava me despedindo da minha filha e falei a ela: ‘o que você acha que as borboletas estão fazendo agora? elas estão fazendo chá’. Então, a peguei no colo, a abracei e falei: ‘o que você acha que está acontecendo agora em Skroktifuf?”. A palavra veio sozinha e eu nunca mais mudei”.
Esse reino para borboletas foi lançado em 2019 e pode ser classificado como literatura infanto-juvenil. Será uma trilogia e já tem dois volumes lançados - Skroktifuf - Uma maçã atrás da porta e Skroktifuf - Mirtilos conspiram - e o terceiro está em digitação. Em 2021, veio Chabrum, uma obra infantil que conta a história das peças de um aparelho de chá. “As duas histórias podem ser lidas por pessoas de todas as idades, porque falam sobre a universalidade do ser humano”, afirma a autora. As aulas de computação para cegos e a relação tão próxima com os livros fizeram com que ela possa escrever as suas histórias e seguir apreciando a leitura, principalmente a poesia, que a toca muito. “A boa poesia chega a mundos que nenhum outro texto pode tocar. Há poesia em tudo, na fotografia, na arquitetura, na música”. E também na sua obra, Suzana.