Etnias entre Ana Rech e os Campos de Cima
A mistura de etnias na divisa entre Ana Rech e os Campos de Cima
Quando olhamos para a história de Caxias do Sul, não vemos somente uma contribuição separada de cada etnia, mas, também, uma grande mistura entre elas. Esse é mais um elemento que comprova como muitas raças tiveram - e ainda têm - participação no desenvolvimento desse lugar.
Para dar alguns exemplos, vamos voltar a 1876, início da colonização na Oitava Légua, onde hoje fica o bairro de Ana Rech. O pesquisador Luiz Antonio Alves, um estudioso do que acontecia naquele território, conta que, antes de os italianos começarem a povoar esse lugar, ali perto viviam descendentes de portugueses e de africanos. É fundamental reforçar que a Oitava Légua fazia divisa com os Campos de Cima da Serra, estando muito perto de onde hoje se localizam os distritos de Criúva e Vila Seca. Eles trabalhavam principalmente com gado, uma herança que receberam de portugueses e espanhóis. Ao lado, estavam descendentes de africanos, que costumavam fazer boa parte do trabalho mais pesado e, também, lutar em batalhas, e, ainda, pessoas com ascendência indígena, já que quando ainda havia tribos por aqui, também houve uma mistura.
Tropa de gado passando por Ana Rech em 1930, Fonte: Livro História de Ana Rech, pg35. Fotografo não Identificado. Exemplo de da conexão dos tropeiros dos Campos de cima da Serra com Ana Rech
Alves conta que ouviu de seus avós a reprodução de histórias que eles escutaram de seus antecedentes, moradores desses lugares. “Na divisa entre os Campos de Cima da Serra e a Oitava Légua, houve uma grande mistura de etnias e temos uma posição muito interessante em termos culturais. Na minha família, contavam que, inicialmente, foi um choque quando os novos imigrante chegaram, no final século XIX, porque era uma proporção de quase 10 imigrantes para cada morador que já estava vivendo nos Campos de Cima. Eles chegaram em um número muito grande”, relata. Ele acrescenta que enquanto havia, por exemplo, cerca de 10 famílias em Vila Seca, chegaram 700 de imigrantes a Ana Rech.
Passada a estranheza inicial, porém, começou uma relação amigável, que, mais tarde, resultaria nessa mistura que citamos no início do texto. Conforme Alves, ali nas imediações da divisa, houve ajuda dos descendentes de portugueses e africanos para os imigrantes italianos ed e outras etnias que ali se estabeleceram. “Há relatos de que, no início, havia imigrantes passando muitas dificuldades, porque até plantar e colher, precisava um tempo. Os descendentes de portugueses, então, emprestaram alguns animais, para que eles começassem a vida”, diz.
O pesquisador acrescenta que essa ajuda era benéfica para ambos aos lados, porque acontecia no inverno, quando o gado tende a sofrer porque o campo seca e ele emagrece. “Os moradores dos Campos de Cima da Serra reservaram três ou quatro vacas de cria e entregavam ao casal imigrante tirar leite e fazer queijo. Eles emprestavam vacas, mulas, cavalos porque sabiam que, assim, os animais seriam cuidados no inverno e não morreriam de fome. Quando o frio acabava, pegavam de volta e levavam novamente para a fazenda”, exemplifica. Outra forma de auxílio oferecida pelos fazendeiros era a contratação dos imigrantes para ajudar nos trabalhos da terra. Dessa forma, os imigrantes conseguiam algum dinheiro.
O espaço onde o gado ficava quando estava fora da fazenda, porém, acabou gerando algumas controvérsias. Os descendentes de portugueses entendiam que aquela área próxima da divisa era deles, o que não se confirma, porque eles somente a usavam para deixar o gado solto. Conforme Alves, conforme o número de imigrantes chegando foi crescendo, o governo imperial desapropriou esses territórios e aumentou a colônia, o que acabou incomodando os fazendeiros. “Era tudo mato ali em Ana Rech e todos usavam algumas áreas”, explica. Nessa área que ficava bem na divisa, existia uma pequena estrada que era usada tanto por quem vivia na colônia, quanto por quem morava nos Campos de Cima da Serra. E essa convivência entre as etnias foi se estreitando cada vez mais.
Segundo Alves, o passo seguinte ao empréstimo dos animais e a essa convivência que surgiu devido à proximidade dos territórios foi o casamento entre povos de origens diferentes. E uma das demonstrações disso pode ser percebida até hoje. “Nos estudos que eu fiz de genalogia, ficou claro que existiram casamentos entre descendentes de portugueses, que moravam nos Campos de Cima da Serra, e imigrantes que ali chegaram. Uma demonstração disso está nos CTGs. Hoje, se você prestar atenção, verá que existem patrões com sobrenome italiano, ou seja, existe uma ascendência naquela família, uma união entre a cultura gaudéria, dos Campos de Cima, com um imigrante”, detalha.
Esses casamentos, continua ele, aproximaram culturas e levaram um pouco da lida campeira para Ana Rech, tanto que lá existe bastante ainda das tradições que vieram dos Campos de Cima. “É importante que se tenha clareza que quem vivia ali em cima da Serra era brasileiro, descendente de português ou de africano, sim, mas nascido aqui no Brasil”, reforça. Ao estarem no que Alves chama de “uma fronteira cultura muito interessante”, muitos deles acabaram se unindo aos colonizadores. “Houve muito mais casamentos de descendentes portugueses com italianos na região de Ana Rech do que no centro da cidade”, destaca. Em menor número, havia também alguns alemães, portanto, é possível dizer que nesse território, tínhamos ascendência indígena, portuguesa, alemã e italiana, uma mistura que ajudou a desenvolver um dos cantos de Caxias do Sul.
Este conteúdo integra o projeto Patrimônios, lendas e marcos de Caxias do Sul, financiado pela Lei Paulo Gustavo de Caxias do Sul.
Produção, organização e Curadoria: Marivania Sartoretto
Texto: Paula Valduga
Depoimento: Luiz Antônio Alves.
Referêrencias:
DALL‘ALBA, João L.; TOMIELLO, Antônio; RECH, Juarez E.; SUSIN, Valter A.. História do povo de Ana Rech: distrito. Volume II. Caxias do Sul: EDUCS, 1997.
DALL‘ALBA, João Leonir; TOMIELLO, Antônio; RECH, Juarez E.; SUSIN, Valter A.. História do povo de Ana Rech: Volume I – Paráquia. Caxias do Sul: Educs, 1987.
GIRON, Loraine Slomp. Presença africana na Serra Gaúcha: subsídios. Porto Alegre: Letra e Vida, 2009.
Free University of Juá de Luiz Antônio Alves - https://fuj.com.br/