Charqueada - Caxias do Sul
Bairro Charqueadas é herança da produção do charque, uma contribuição dos descendentes de portugueses e africanos
Quando se fala de charque, imediatamente a memória nos leva para o Sul do Estado, mais especificamente a Pelotas. E isso é natural, porque foi lá que ocorreu a construção da primeira charqueada gaúcha. Em 1780, refugiando-se da seca do Ceará, José Pinto Martins passou a produzir charque no outro extremo do país e deu início ao ciclo do charque em Pelotas.
Artista: Jean-Baptiste Debret(1768–1848) / Título: português do Brasil: Charqueadas gaúchas / Data:1820 / Técnica: litografia / Fonte: wikimedia
Essa carne, de origem bovina, era produzida no Nordeste do país, principalmente no Ceará, no Rio Grande do Norte e na Paraíba. Era preparada com sal e seca ao sol para que se mantivesse própria para o consumo por mais tempo. São essas características que definem esse tipo de alimento, que difere levemente da carne-seca e da carne de sol por conta do tipo de preparo. O Nordeste foi um grande produtor até o final da década de 1770, quando a seca se intensificou, e a falta de chuva fez com que os animais fossem morrendo. Ao mesmo tempo, aqui no Rio Grande do Sul, os rebanhos já eram numerosos, Martins e outros cruzaram o Brasil para seguir desempenhando a atividade no sul.
Como a Serra tinha um relevo íngreme e foi considerada uma área de terras devolutas, tudo demorou um pouco mais para acontecer por aqui. Não existem muitos relatos da produção de charque em Caxias do Sul, o que contribui para que a nossa memória vá direto para Pelotas ou a região da Campanha, mas ela aconteceu e está diretamente relacionada ao nome do bairro Charqueadas.
A Xarqueada Caxiense (na época escrita com X) foi inaugurada na década de 1920, e a festa teve divulgação na imprensa. Conforme a matéria jornalística de “O Brasil”, o negócio pertencia à empresa Guerreiro & Cia, sucessora da então chamada Guerreiro, Feijó & Cia. É importante contextualizar que Feijó, nesse caso, refere-se a Feijó Jr., proprietário de uma sesmaria que abrangia o território onde hoje fica o bairro Charqueadas, ou seja, a produção da carne acontecia exatamente nessa área.
Publicação no jornal. Inauguração da Xarqueada Caxiense. Caxias do Sul, RS, Jornal O Brasil, edição 00302A, 10 fevereiro de 1917.p02
Segundo o registro do jornal, a inauguração da Xarqueada Caxiense foi considerada um grande evento e atraiu muitas pessoas que fizeram questão de levar seus cumprimentos aos proprietários. O sócio comanditário era o coronel Pedro Osório, um industrialista que residia em Pelotas, ou seja, o vínculo com a cidade do Sul existia. Para dar a dimensão da importância dele na história, basta dizer que nomeia a principal praça de Pelotas. Ao lado dele, como sócios solidários, estavam João Pillar Guerreiro, que atuava como gerente e diretor, o coronel Franklim Cunha, Manoel Julio de Oliveira e Almicare Francisconi.
Na inauguração, a Xarqueada Caxiense tinha 6 mil bois que haviam sido comprados nos Campos de Cima da Serra e em Vacaria. Por dia, eram mortos 200 bois. Esse foi o número abatido na véspera da inauguração, inclusive, e a festa contou com churrasco ao meio-dia, cerveja e duas bandas de música. Conforme a reportagem, os convidados apreciaram o preparo das carnes e as instalações. O prédio tinha quatro pavilhões de madeira cobertos com telhas de zinco. A celebração durou o dia todo e contou com a presença do sub-intendente do primeiro distrito, José Maria da Cruz, que representou o intendente de Caxias do Sul, coronel Pena de Moraes, impossibilitado de participar.
Na inauguração, foi ressaltado que a Xarqueada Caxiense tinha contratos fechados para fornecimento para o norte do país e que esse negócio sem dúvida representaria promissoras vantagens para o município de Caxias do Sul, o que foi confirmado em outras matérias jornalísticas. Em 15 de fevereiro de 1921, o Correio do Povo informou uma matança. Conforme noticiado na sessão “Há um século no CP”, que pode ser acessada neste link, um telegrama publicado no jornal informava que Paim Filho e José Bueno haviam retornado de Caxias do Sul para Vacaria com o acerto da venda de tropas com 300 bois para a Xarqueada Caxiense. O abate estava marcado para o dia 26 de fevereiro.
Já na edição de 14 de maio de 1921, “O Brasil” noticiou a chegada do veterinário federal Ananias Guerra a São Francisco de Paula. Ele esteve na cidade para inspecionar uma tropa de 264 bois procedente de Lages, em Santa Catarina, e destinada à Xarqueada Caxiense.
A inspeção foi feita boi por boi e não foi constatada nenhuma doença. Ele também confirmou que os animais estavam vacinados contra o então chamado “Mal da Passarinha” e tinham “ótimas condições de gordura”. O relatório aponta, ainda, que a viagem de Lages a São Francisco de Paula havia durado cerca de seis dias e, há 18, o proprietário aguardava pela inspeção. Em ambos os períodos, nenhum animal morreu ou adoeceu. A partir disso, o veterinário autorizou que a viagem seguisse até a Xarqueada Caxiense.
No Jornal do dia dia 22 de janeiro de 1921 noticia uma importante reunião dos fazendeiros onde é tratada assunto do setor onde relata crise. Essa crise relatada entre os fazenderos contribuiram também para mais tarde a revolução de 1923. Outro assunto assunto trata a mudança no quadro societário seria incluida por fazendeiros. que foi completada aa noticia na edição dia 29 de janeiro conforme segue.
A noticia seguiu na semana seguinte confirmando a mudança com ampliação de sócios esses fazendeiros aumentando o capital de 250 para 1000 contos de reis.
Interessante noticia da participação dos funcionários da Charqueada no carnaval de Caxias do sul ano 1921. Com o Bloco da Charqueada.
Outro registro jornalístico, também na sessão de telegramas do Correio do Povo e resgatado na coluna “Há um século do CP”, divulgava, em 14 de abril de 1922, que havia começado no primeiro dia daquele mês uma matança de 1 mil rezes na Xarqueada Caxiense. Acesse neste link.
Esses registros confirma a importância da atividade, um legado dos descendentes de portugueses e africanos e que, por muito tempo, contribuiu com a alimentação dos imigrantes que viviam por aqui. A importância dos proprietários e trabalhadores das charqueadas foi tão significativa, que resultou na denominação de um bairro, conforme a lei 3.911, de 23 de novembro de 1992. Porém, essa origem é desconhecida de grande parte dos moradores de Caxias do Sul e, por isso, fizemos questão de contar essa história.
Em várias publicações de jornais encontramos informações que denominava com antiga charqueada conforme este anúcio publicado no dia 29 de novembro de 1978 no jornal Correio Rio Grandense.