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 A organização social dos povos Jê - Kamé e Kainru

A organização social dos povos Jê - Kamé e Kainru

A organização social dos povos Jê - Kamé e Kainru

  

Figura 1. Representação de um indígena Kaingang numa aldeia de casas subterrâneas no “tempo do mato”. Ele vesteum kurã (manto confeccionada com fios de urtiga) com grafismo raioniorrangrê (zigue zague) representando a metade Kamé. Ilustração de Rafael Dambros, baseado em Silva (2001).

A organização social dos povos Jê 

Os grupos Jê do sul do Brasil são conhecidos por sua organização social dual, que gira em torno de metades exogâmicas, assimétricas e patrilineares. Essas metades constituem uma estrutura fundamental na sociedade Jê, onde todas as pessoas, objetos e fenômenos naturais são divididos em oposições duais entre essas duas partes. Os eventos públicos enfatizam abertamente a participação emocional por meio de símbolos visuais e do desempenho de tarefas específicas (Baldus, 1937; Crépeau, 2002; Métraux, 1946; Nimuendajú, 1993[1913]; Veiga, 2006).

O sistema de metades dos Kaingang e o sistema de clãs dos Xokleng têm suas raízes nas linhagens originárias de dois gêmeos mitológicos (Veiga, 1994). Segundo o mito de origem Kaingang, após uma enchente cataclísmica, os gêmeos Kamé e Kainru emergiram do interior da montanha Krinjijimbé. Eles criaram todos os seres da natureza, moldando e pintando a flora e a fauna, atribuindo-lhes características que explicam o mundo natural (Borba, 1908; Nimuendajú, 1993[1913]). Esses gêmeos também estabeleceram a ordem pela qual a sociedade deveria ser estruturada, criando uma divisão dual em metades complementares. Além disso, eles definiram as regras para o recrutamento das metades por meio da descendência patrilinear e do casamento exogâmico. Posteriormente, Kamé e Kainru ascenderam aos céus, representados como o Sol e a Lua, respectivamente.

Figura 2: Grafismo Kaingang – Kamé e Kairu. Fonte: DILL, 2019. Produzido pela Fernanda Machado Dill

Os Xokleng foram divididos em três clãs patrilineares exogâmicos: Mê-vidn, Mê-calêbn e Mê-kúi-ken. No entanto, como apontado por Métraux (1946), o sistema originalmente era dual. O primeiro clã, Mê-vidn, correspondia à metade Kainru dos Kaingang, enquanto o terceiro clã, Mê-kúi-ken, era equivalente à metade Kamé. Inicialmente, o terceiro clã constituía uma subdivisão dentro de uma das metades. Essas submetades existem tanto entre os Kaingang quanto entre os Xokleng, e sua função é predominantemente cerimonial, com a filiação não necessariamente sendo herdada (Veiga 1994; Silva 2001). O clã Mê-kúi-ken dos Xokleng mostrou-se análogo à classe ritual Votóro dos Kaingang (Métraux 1946). A antiguidade do sistema de metades entre o ramo sul da família Jê é comprovada pelo fato de que ele está presente em praticamente todas as sociedades Jê do norte do Brasil Central e em alguns grupos vizinhos Macro-Jê (Maybury-Lewis 1979).

Nimuendajú (1993[1913]:60) observa que a dupla divisão é o elemento central que permeou toda a vida social e religiosa dos Kaingang. Os gêmeos mitológicos, Kamé e Kainru, emprestam seus nomes e características às duas metades da sociedade. Todas as pessoas, objetos e fenômenos naturais são atribuídos a uma das metades em um sistema classificatório abrangente, baseado principalmente em oposições duais. Kamé está associado ao Sol, ao oeste, ao dia, a um corpo grosso, a uma estatura alta, à persistência e à permanência. Por outro lado, Kainru está associado à Lua, ao leste, à noite, a um corpo esbelto, a uma estatura baixa, à menos persistência e à transformação (Crépeau2005; Silva 2002).

Este conteúdo integra o projeto Patrimônios, lendas e marcos de Caxias do Sul, financiado pela Lei Paulo Gustavo de Caxias do Sul.

Produção, organização e Curadoria: Marivania Sartoretto

Texto produzido por: Rafael Corteletti Mestre em História e Doutor e Arqueologia

Revisão Texto: Paula Valduga

Referências

Baldus, Herbert. (1937). Ensaios de ethnologia brasileira. Companhia Editorial Nacional, São Paulo. Disponível em: http://www.etnolinguistica.org/biblio:baldus-1937-ensaios

Borba, Telêmaco. (1908). Actualidade Indígena (Paraná, Brazil). Curitiba: Impressora Paranaense. 172p. Disponível em: http://www.etnolinguistica.org/biblio:borba-1908-actualidade

Crépeau, R. (2002). A prática do xamanismo entre os Kaingang do Brasil meridional: uma breve comparação com o xamanismo Bororo. Horizontes Antropológicos 8:113–129.https://doi.org/10.1590/S0104-71832002000200005

Crépeau, R. (2005). “Os Kamé vão sempre primeiro”: Dualismo social e reciprocidade entre os Kaingang. Anuário Antropológico. p. 9-33. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/anuarioantropologico/article/view/6929

DILL, F. M. Linguagem Socioespacial: A dimensão espacial do modo de viver Kaingang. 2019. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de Santa Catarina, 2019.   https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/214424?show=full

Maybury-Lewis, D. (1979). DialecticalSocieties: The Gê and Bororo of Central Brazil. Harvard University Press, Cambridge, Massachusetts. Disponível em: http://www.etnolinguistica.org/biblio:maybury-1979-dialectical

Métraux, A. (1946). The Caingang. In Handbook of South American Indians, editadopor Julian H. Steward, pp. 445–477. Smithsonian Institution, Washington, DC. Disponível em: http://www.etnolinguistica.org/hsai:vol1p445-475

Nimuendajú, C. [1913] 1993. Nota sobre a festa do Kikio-ko-ia dos Kaingang. In Etnografia e indigenismo sobre os Kaingang, os Ofaié-Xavante e os indios do Pará, editado por Curt Nimuendajú, pp. 67–69. Editorial da Unicamp, Campinas.Diponível em: http://www.etnolinguistica.org/biblio:nimuendaju-1993-etnografia

Silva, S. B. (2002). Dualismo e cosmologia Kaingang: O xamã e o domínio da floresta. Horizontes Antropológicos 8(18):189–209. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-71832002000200009

Silva, S.B. (2001). Etnoarqueologia dos grafismos Kaingang: um modelo para compreensão das sociedades Proto-Jê Meridionais. Tese de Doutorado, USP, São Paulo, 367p. Disponível em: https://doi.org/10.11606/T.8.2001.tde-17122001-005542

Veiga, J. (1994). Organização social e cosmovisão Kaingang: uma introdução ao parentesco, casamento e nominação em uma sociedade Jê meridional. Dissertação de Mestrado. Unicamp, Campinas. 220p. Disponível em: https://www.cpei.ifch.unicamp.br/biblioteca/organiza%C3%A7%C3%A3o-social-e-cosmovis%C3%A3o-kaingang-uma-introdu%C3%A7%C3%A3o-ao-parentesco-casamento-e

Veiga, J. (2006). Aspectos Fundamentais da Cultura Kaingang. Ed Curt Nimuendajú. Campinas. 256p.